Há quem acredite que os termos direita e esquerda atualmente não sejam conceitos representativos para análise da política. Penso de maneira contrária e através deste blog pretendo, de maneira paulatina, escrever textos sobre o assunto que tanto encontra eco no meu coração.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Citação de FHC

Por favor comentem. A participação de todos é fundamental.

"Não existe direita no Brasil, no sentido clássico do conceito... O pensamento conservador filia-se a uma tradição ocidental que estabelece como pilares da ordem a família, a propriedade, os costumes. O nosso conservadorismo não é nada disso. Tem a ver com clientelismo, patrimonialismo, uso indevido dos recursos do Estado. Ele não é composto de um ideário, e sim de aproveitadores. Por que a 'direita', no Brasil, apóia todos os governos, não importa qual? Na história recente, ela apoiou os militares, apoiou o Sarney, apoiou o Collor, apoiou a mim, apóia o Lula. Porque seus integrantes não são de direita. Essa gente toda só quer estar perto do Estado, tirar vantagens dele."


Fernando Henrique Cardoso



Obs.: As análises das enquetes saírão em breve.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Comentários

Futuramente farei considerações e comentários sobre o resultado das pesquisas.

Antes, porém, farei mais algumas enquetes, pelo menos duas, tentanto esclarecer melhor os resultados conseguidos até aqui.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Russel Kirk: alguém conhece?

O texto abaixo foi copiado do blog: http://10principios.blogspot.com/

Trata-se da perspectiva de um estudioso do tema do "Origem e fim" e que, portanto, é presença indispensável.


Aos esquerdistas: me mandem outras fontes, desde que falem sobre a conceituação política aqui estudada.



Apresento abaixo o texto completo, traduzido (livremente) para o português, de Ten Conservative Principles (1993) por Russell Kirk. Tradução e publicação autorizadas por Annette Kirk.


Adaptado da Política da Prudência (ISI Livro, 1993). Copyright © 1993 por Russell Kirk. Usado com permissão do espólio de Russell Kirk.

Não sendo nem uma religião nem uma ideologia, o conjunto de opiniões designado por conservadorismo, não possui nenhuma “escritura sagrada” e nenhum “O Capital” para fornecer um dogma. Por mais que se possa estabelecer em que os conservadores acreditam, os princípios primordiais do convencimento conservador foram derivados a partir do que escritores renomados e homens públicos conservadores professaram durante os dois séculos passados. Após algumas observações introdutórias neste tema geral, eu listarei dez destes princípios conservadores.

Talvez seja mais apropriado, na maior parte das vezes, usarmos a palavra “conservador” como um adjetivo. Isto porque não existe nenhum “Modelo Conservador”, e o conservadorismo é a negação da ideologia: é um estado da mente, um tipo de caráter, uma maneira de olhar a ordem social civil.

A atitude que nós chamamos de “conservadorismo” é mantida por um conjunto de sentimentos ao invés de um sistema de dogmas ideológico. É quase completamente verdadeiro que um conservador pode ser definido como uma pessoa que se pensa como tal. O movimento ou o conjunto de opiniões conservadoras pode acomodar uma diversidade considerável de pontos de vista em muitos temas, não havendo nenhum “Test Act” ou “Thirty-Nine Articles” do credo conservador.

Em essência, o conservador é simplesmente alguém que considera as coisas permanentes mais agradáveis do que o “Chaos” e a “Old Night”. (Contudo os conservadores sabem, com Burke, que saudáveis “mudanças são os meios de nossa preservação.”) Uma experiência de continuidade histórica das pessoas, diz o conservador, oferece uma guia para a política muito melhor do que os projetos abstratos de filósofos de botequim. Mas naturalmente há mais a motivar o conservador do que esta atitude geral.

Não é possível redigir um catálogo completo das convicções conservadoras; não obstante, eu ofereço-lhe, resumidamente, dez princípios gerais. Parece seguro dizer que a maioria dos conservadores subscreveria a maior parte destas máximas. Em várias edições de meu livro The Conservative Mind, eu listei determinados cânones do pensamento conservador — a lista difere um tanto de edição em edição; na minha antologia The Portable Conservative Reader eu ofereço variações sobre este tema. Agora eu lhes apresento um sumário das suposições conservadoras que diferem um tanto de meus cânones destes dois livros. Específicamente, a diversidade de maneiras em que as visões conservadoras podem encontrar expressão é por si só uma prova de que o conservadorismo não é nenhuma ideologia fixa. Que princípios particulares os conservadores enfatizam em uma época específica, variarão com as circunstâncias e as necessidades dessa era. Os seguintes dez artigos de crença refletem as ênfases dos conservadores na América de hoje em dia.

Primeiramente, o conservador acredita que existe uma ordem moral duradoura. Que a ordem está feita para o homem, e o homem é feito para ela: a natureza humana é uma constante, e as verdades morais são permanentes.

A palavra ordem significa harmonia. Há dois aspectos ou tipos de ordem: a ordem interna da alma, e a ordem exterior da comunidade. Há vinte e cinco séculos, Platão ensinou esta doutrina, mas mesmo os letrados de hoje em dia encontram dificuldades em compreender. O problema da ordem tem sido uma preocupação central dos conservadores desde que o termo conservador passou a fazer parte da política.

Nosso mundo do século vinte experimentou as conseqüências hediondas do colapso da crença em uma ordem moral. Como as atrocidades e os desastres da Grécia no quinto século antes de Cristo, a ruína de grandes nações em nosso século mostra-nos o poço em que caem as sociedades que se enredam em ardilosos interesses próprios, ou engenhosos controles sociais, como alternativas mais palatáveis a uma antiquada ordem moral.

Foi dito pelos intelectuais de esquerda (“liberals”) que o conservador acredita, com o coração, que todas as questões sociais são questões da moralidade privada. Compreendida corretamente, esta indicação é bastante verdadeira. Uma sociedade em que os homens e as mulheres são governados pela opinião em uma ordem moral perene, por um sentido forte de certo e errado, por convicções pessoais sobre a justiça e a honra, será uma boa sociedade — não importa a maquinaria política que utilize; quando uma sociedade em que os homens e as mulheres estão moralmente a deriva, ignorantes das normas, e movidos primariamente pela satisfação dos apetites, será uma má sociedade — não importando quantas pessoas votem ou quão liberal seja sua constituição.

Segundo, o conservador adere ao costume, à convenção, e à continuidade. São os princípios antigos que permitem que as pessoas vivam juntas pacificamente. Os demolidores dos costumes destroem mais do que sabem ou desejam. É através da convenção, palavra tão abusada nos nossos tempos, que conseguimos evitar disputas perpétuas sobre direitos e deveres: as leis, em sua essência, são um conjunto de convenções. Continuidade é o agregado dos meios de se ligar uma geração à outra, e ela importa tanto para a sociedade quanto para o indivíduo. Sem ela, a vida é sem sentido. Quando revolucionários bem sucedidos apagaram velhos costumes, ridicularizaram antigas convenções e quebraram a continuidade das instituições sociais, neste mesmo instante descobriram a necessidade de repô-los por novos, mas este processo é lento e penoso, e a nova ordem social que eventualmente emerge nestas circunstâncias pode ser muito inferior à velha ordem que os radicais superaram em sua ardorosa busca pelo “Paraíso Terreno”.

Conservadores são campeões dos costumes, convenção e continuidade, porque eles preferem o diabo que conhecem do que áquele que não. Ordem, justiça e liberdade, eles acreditam, são produtos artificiais de uma longa experiência social, o resultado de séculos de tentativas, reflexão e sacrifício. Desta forma, o corpo social é um tipo de corporação espiritual, comparável à Igreja, podendo mesmo ser chamada de comunidade de almas. A sociedade humana não é nenhuma máquina para ser tratada mecanicamente. A continuidade, o sangue da vida de uma sociedade, não pode ser interrompida. O lembrete de Burke sobre a necessidade de mudanças prudentes está nas mentes dos conservadores. Mas a mudança necessária, argumentam os conservadores, deve ser gradual e discriminatória, nunca removendo antigos interesses de uma vez.

Terceiro, os conservadores acreditam no que pode ser chamado o princípio da prescrição. Conservadores percebem que as pessoas modernas são anãs sobre os ombros de gigantes, capazes de ver mais longe que seus ancestrais apenas por conta da grande estatura daqueles que os precederam no tempo. Portanto, os conservadores freqüentemente enfatizam a importância da prescrição, isto é, das coisas estabelecidas pelo uso desde tempos imemoriais, de modo que a mente humana não busca os seus contrários. Existem direitos cuja principal sanção é sua antigüidade, estando os direitos de propriedade, freqüentemente, aí incluídos. Da mesma forma, nossa moralidade é em grande parte prescritiva. Os conservadores argumentam ser bastante improvável que nós, os modernos, façamos alguma brava descoberta nos campos da moralidade, política ou gosto. É perigoso ter de ponderar cada problema com base no julgamento e na racionalidade pessoal. O indivíduo é tolo, mas a espécie é sábia, nos ensina Burke. Em política fazemos bem em seguir por precedência, preceito e mesmo pré-julgamento, pois a humanidade adquiriu uma sabedoria muito maior do que qualquer racionalidadezinha de um único homem.

Quarto, os conservadores são guiados por seu princípio da prudência. Burke concorda com Platão que para o estadista, a prudência é a maior dentre as virtudes. Qualquer medida pública deve ser avaliada por suas prováveis conseqüências de longo prazo, e não meramente por alguma vantagem ou popularidade temporárias. Os liberais e os radicais, diz o conservador, são imprudentes: perseguem seus objetivos sem dar muita atenção ao risco de que novos abusos sejam piores do que os males que esperam eliminar. Como John Randolph de Roanoke bem colocou, a providência move-se lentamente, mas o diabo sempre se apressa. Sendo complexa a sociedade humana, os remédios não podem ser simples se devem ser eficazes. O conservador afirma que age somente após suficiente reflexão, pesando as conseqüências. Reformas, assim como as cirurgias, são perigosas quando repentinas e profundas.

Quinto, os conservadores prestam atenção ao princípio da diversidade. Eles sentem afeição pela intrincada proliferação de instituições sociais e de modos de vida estabelecidos de longa data, a distingüi-las da uniformidade reducionista e do igualitarismo dos sistemas radicais. Para a preservação de uma saudável diversidade em qualquer civilização, nela devem sobrevir ordens e classes, diferenças em condições materiais e diversos modos de desigualdade. As únicas formas verdadeiras de igualdade são aquelas do Julgamento Final e aquelas perante um justo tribunal da lei; todas as demais tentativas de nivelamento irão conduzir, na melhor das hipóteses, à estagnação social. A sociedade requer liderança honesta e capaz; e se as diferenças naturais e institutionais forem destruídas, nesta mesma hora algum tirano ou um desprezível representante de oligarcas criará novas formas de desigualdade.

Sexto, os conservadores se purificam por seu princípio da imperfeição (“imperfectability”). A natureza humana sofre irremediavelmente de determinadas falhas graves, o sabem os conservadores. Em sendo o homem imperfeito, nenhuma ordem social perfeita pode ser criada. Por conta de seu desassossego, a humanidade se rebelaria sob qualquer dominação utópica, e iria, mais uma vez, eclodir em violento descontentamento — ou então iria exaurir-se em tédio. Perseguir uma utopia é terminar em desastre, diz o conservador: nós não fomos feitos para coisas perfeitas. Tudo que podemos razoavelmente esperar é uma sociedade toleravelmente ordenada, justa, e livre, na qual alguns males, desajustamentos e sofrimentos estarão sempre presentes. Por intermédio de reformas prudentes podemos preservar e melhorar esta ordem tolerável. Mas se as antigas salvaguardas institutionais e morais de uma nação forem negligenciadas, então o impulso anárquico da humanidade será liberado de suas amarras: “a cerimônia da inocência estará perdida.” As ideologias que prometem a perfeição do homem e da sociedade converteram uma grande parte do mundo do século vinte em um inferno terrestre.

Sétimo, conservadores estão convencidos de que a liberdade e a propriedade são intimamente relacionadas. Separe a propriedade da possessão privada e o Leviatã se transformará no mestre de todos. Por sobre as fundações da propriedade privada são erigidas grandes civilizações. Quanto mais difundida for a posse da propriedade privada, mais estável e produtiva será uma comunidade. Nivelamento econômico, crêem os conservadores, não é sinônimo de progresso econômico. Acumular e gastar não são os principais objetivos da existência humana; mas uma base econômica sadia para o indivíduo, a família e a comunidade deve ser almejada.

Henry Maine, em sua “Village Communities”, expõe eloqüentemente a causa da propriedade privada em distinção à propriedade comunal: “Ninguém tem a liberdade de atacar as diversas formas de propriedade privada e, ao mesmo tempo, dizer que valoriza a civilização. A história de ambas não pode ser desentrelaçada.” A instituição da propriedade privada tem sido um instrumento poderoso para ensinar responsabilidade a homens e mulheres, para prover motivos para a integridade, para suportar a cultura geral, para levantar a humanidade acima do nível do mero penoso laborar, por permitir o ócio para o pensar e a liberdade para agir. Para poder reter os frutos do trabalho do indivíduo e torná-los permanentes; para poder legar a propriedade de alguém à sua posteridade; para poder erguer-se da condição natural de opressiva pobreza à segurança da realização duradoura; para ter algo que realmente pertença a si mesmo — estas são vantagens difíceis de negar. O conservador reconhece que a posse da propriedade impõe certos deveres ao proprietário e aceita estas obrigações morais e legais alegremente.

Oitavo, conservadores suportam ações comunitárias voluntárias, tanto quanto se opõem ao coletivismo involuntário. Embora os americanos têm sido fortemente atrelados à privacidade e aos direitos privados, também são um povo notável pelo espírito bem sucedido de comunidade. Em uma comunidade genuína, as decisões que afetam mais diretamente à vida dos cidadãos são feitas localmente e voluntáriamente. Algumas destas funções são realizadas por instituições políticas locais, outras por associações privadas: desde que permaneçam locais e sejam acordadas por aqueles afetados, elas constituirão uma comunidade saudável. Mas quando estas funções passam, “naturalmente” ou por usurpação, à autoridade central, a comunidade estará em sério perigo. O que quer que seja benéfico e prudente na democracia moderna é feito a partir da vontade cooperativa. Se, então, em nome de uma Democracia abstrata, as funções da comunidade são transferidas a uma direção política distante — por que o governo real exercido pelo consentimento dos governados dá vez a um processo uniformizante que é hostil à liberdade e à dignidade humana.

Pois nenhuma nação é mais forte do que as pequenas e numerosas comunidades de que é composta. Uma administração central, ou um conjunto de seletos administradores e servidores civis, embora bem intencionados, não podem conceder justiça, prosperidade e tranquilidade a uma massa de homens e mulheres desprovidos de suas antigas responsabilidades. Essa experiência foi feita antes; e foi desastrosa. É o exercício de nossos deveres na comunidade que nos ensina a prudência, a eficiência e a caridade.

Nono, o conservador percebe a necessidade de prudentes restrições ao poder e às paixões humanas. Politicamente falando, o poder é a habilidade de realizar a vontade de um não obstante a vontade dos demais. Um estado onde um indivíduo ou pequeno grupo seja capaz de dominar a vontade de seus concidadãos sem qualquer supervisão, será despótico, seja denominado monárquico, aristocrático ou democrático. Quando cada pessoa reivindica ser um poder para si mesmo, então a sociedade cai em anarquia. A anarquia nunca dura por muito tempo, sendo intolerável para todos, e contrário ao inelutável fato de que algumas pessoas são mais fortes e mais inteligentes do que seus vizinhos. À anarquia sucede a tirania ou a oligarquia, em que o poder é monopolizado por uns poucos.

O conservador esforça-se para de tal forma limitar e balancear o poder político que a anarquia ou a tirania não possam surgir. Em cada era, não obstante, homens e mulheres são tentados a superar as limitações sobre o poder, por conta de alguma vantagem provisória almejada. É característico do radical pensar o poder como uma força para o bem — tão logo o poder caia em suas mãos. Em nome da liberdade, os revolucionários franceses e russos aboliram as antigas restriçõess ao poder; mas o poder não pode ser abolido; encontra sempre seu caminho para as mãos de alguém. Esse poder que os revolucionários tinham pensado ser opressivo nas mãos do antigo regime transformou-se, muitas vezes, tão tirânico quanto o anterior nas mãos dos novos mestres radicais do estado.

Sabendo ser a natureza humana uma mistura de bem e de mal, o conservador não deposita sua confiança na mera benevolência. Limitações constitutionais, verificações e contrapesos políticos, o cumprimento adequado das leis, a antiga e intricada teia das restrições por sobre a vontade e os apetites — isto é o que o conservador aprova como instrumentos da liberdade e da ordem. Um governo justo mantém uma tensão saudável entre as reivindicações da autoridade e as reivindicações da liberdade.

Décimo, o pensador conservador compreende que essas permanências e mudanças devam ser reconhecidas e reconciliadas em uma sociedade vigorosa. O conservador não é oposto à melhoria social, embora duvide que haja algo como uma força geradora de algum Progresso místico, com “P” maiúsculo, operando no mundo. Quando uma sociedade está progredindo em alguns aspectos, geralmente está declinando em outros. O conservador sabe que toda sociedade saudável é influenciada por duas forças, que Samuel Taylor Coleridge chamou de sua Permanência e sua Progressão. A Permanência de uma sociedade é formada por aqueles interesses e convicções perenes que nos dão a estabilidade e a continuidade; sem essa Permanência, as origens profundas da sociedade são desfeitas, que cai em anarquia. A Progressão em uma sociedade é esse espírito e esse conjunto de talentos que nos incitam à reforma e à melhoria prudentes; sem essa Progressão, um povo irá estagnar.

Conseqüentemente o conservador inteligente esforça-se para reconciliar as demandas da Permanência e as da Progressão. Pensa que o liberal e o radical, cégos às justas reivindicações da Permanência, poriam em perigo a herança nos legada, em um esforço para apressar-nos em algum duvidoso Paraíso Terrestre. O conservador, resumidamente, favorece o progresso racionalizado e moderado; é oposto ao culto do progresso, cujos adeptos acreditam que tudo que é novo é necessariamente superior a tudo que é velho.

A mudança é essencial ao corpo social, raciocina o conservador, apenas porque é essencial ao corpo humano. Um corpo que cessasse de se renovar começaria a morrer. Mas se esse corpo deve ser vigoroso, a mudança deve ocorrer de forma regular, harmonizando-se com a forma e a natureza desse corpo; se não a mudança produz um crescimento monstruoso, um câncer, que devora seu anfitrião. O conservador crê que nada em uma sociedade deva ser sempre completamente antigo, e que nada deva ser sempre completamente novo. Estes são os meios de conservação de uma nação, pois que são os meios da conservação de um organismo vivo. Apenas o quanto de mudança uma sociedade requer, e que sorte de mudança, depende das circunstâncias de uma era e de cada nação.

Tais são então os dez princípios que têm aparecido freqüentemente ao longo destes dois séculos do pensamento conservador moderno. Outros princípios de igual importância poderiam ter sido discutidos aqui: a compreensão conservadora da justiça, ou a visão conservadora da educação. Mas tais assuntos, com o tempo a se esgotar, eu devo deixar a sua própria investigação.

O grande divisor de águas na política moderna, Eric Voegelin costumava apontar, não é a divisão entre liberais de um lado e totalitários do outro. Não, em um lado dessa linha estão todos aqueles homens e mulheres que acreditam que a ordem temporal é a única ordem, e que as necessidades materiais são suas únicas necessidades, e que podem fazer o que quiserem com o patrimônio humano. No outro lado dessa linha estão todos aqueles povos que reconhecem uma ordem moral perene no universo, em uma natureza humana constante, e em elevados deveres para a ordem espiritual e a ordem temporal.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A vez de: Olavo de Carvalho

Esse texto de Olavo de Carvalho é interessante por demonstrar um interesse um tanto sofisticado, levando-se em conta as preocupações e produções do cenário acadêmico e da mídia brasileira.

Sua investigação, apresentada de maneira muito breve nesse artigo, é prova de que muitos se sentem provocados por tais questões políticas não apenas do ponto de vista prático.

Olavo, ex-militante do PCB - após tal experiência -, nunca esteve envolvido com nenhuma sigla partidária, não é beneficiado por institutos de pesquisa e, portanto, suas investigações e opiniões podem ser consideradas como "ação política", apenas através de um exercício de deformação que a maioria de seus críticos, que na verdade não o conhecem, se cansam de fazer ou como a ação de um solitário que certamente não se revela ameaçadora.

Sem mais delongas... vamos ao texto:





Direita e esquerda, origem e fim
O
lavo de Carvalho

Diário do Comércio, 1o de novembro de 2005

Proponho ao leitor, hoje, uma breve investigação de história das idéias. Ela pode ser um tanto trabalhosa no começo, mas renderá bons frutos para a compreensão de muitos fatos da vida presente.
A inconstância e a variedade dos discursos ideológicos da esquerda e da direita, para não mencionar suas freqüentes inversões e enxertos mútuos, tornam tão difícil apreender conceptualmente a diferença entre essas duas correntes políticas, que muitos estudiosos desistiram de fazê-lo e optaram por tomá-las como meros rótulos convencionais ou publicitários, sem qualquer conteúdo preciso.
Outros, vendo que a zona de indistinção entre elas se amplia com o tempo, concluíram que elas faziam sentido na origem, mas se tornaram progressivamente inutilizáveis como conceitos descritivos.
Apesar dessas objeções razoáveis, as denominações de esquerda e direita ainda servem a grupos políticos atuantes, que, não raro imantando-as com uma carga emocional poderosa, as utilizam não só como símbolos de auto-identificação mas, inversamente, como indicadores esquemáticos pelos quais desenham em imaginação a figura do seu adversário ideal e a projetam, historicamente, sobre este ou aquele grupo social.
Quando surge uma situação paradoxal desse tipo, isto é, quando conceitos demasiado fluidos ou mesmo vazios de conteúdo têm não obstante uma presença real como forças historicamente atuantes, é porque suas várias e conflitantes definições verbais são apenas tentativas parciais e falhadas de expressar um dado de realidade, uma verdade de experiência, cuja unidade de significado, obscuramente pressentida, permanece abaixo do limiar de consciência dos personagens envolvidos e só pode ser desencavada mediante a análise direta da experiência enquanto tal, isto é, tomada independentemente de suas formulações verbais historicamente registradas.
Dito de outro modo: a distinção de direita e esquerda existe objetivamente e é estável o bastante para ser objeto de um conceito científico, mas ela não consiste em nada do que a direita ou a esquerda dizem de si mesmas ou uma da outra. Consiste numa diferença entre duas percepções da realidade, diferença que permanece constante ao longo de todas as variações de significado dos termos respectivos e que, uma vez apreendida, permite elucidar a unidade por baixo dessas variações e explicar como elas se tornaram historicamente possíveis.
Anos atrás comecei a trabalhar numa solução para esse problema e de vez em quando volto a ela desde ângulos diversos, sempre notando que permanece válida.
A solução, em versão dramaticamente resumida, é a seguinte: direita e esquerda, muito antes de serem diferenças “ideológicas” ou de programa político, são duas maneiras diferentes de vivenciar o tempo histórico. Essas duas maneiras estão ambas arraigadas no mito fundador da nossa civilização, a narrativa bíblica, que vai de uma “origem” a um “fim”, do Gênesis ao Apocalipse. Note o leitor que a origem se localiza num passado tão remoto, anterior mesmo à contagem do tempo humano, que nem pode ser concebida historicamente. Começa num “pré-tempo”, ou “não-tempo”. Começa na eternidade. O final, por sua vez, também não pode ser contado como capítulo da seqüência temporal, pois é a cessação e a superação do transcurso histórico, o “fim dos tempos”, quando a sucessão dos momentos vividos se reabsorve na simultaneidade do eterno. A totalidade dos tempos, pois, transcorre “dentro” da eternidade, exatamente como qualquer quantidade, por imensa que seja, é um subconjunto do infinito. O Apóstolo Paulo expressa isso de maneira exemplar, dizendo: “ N'Ele [em Deus, no infinito, no eterno] vivemos, nos movemos e somos [agimos e existimos historicamente, isto é, no tempo].” Estar emoldurado pela eternidade é um elemento essencial da própria estrutura do tempo. Sem estar balizada pela simultaneidade, a sucessão seria impossível: a própria idéia de tempo se esfarelaria numa poeira de instantes inconexos. Não é, pois, de espantar que a consciência histórica se forme desde dentro do legado judaico-cristão como um de seus frutos mais típicos. Mas, quando entre os séculos XVIII e XIX essa consciência se consolida como domínio independente e floresce numa variedade de manifestações, entre as quais a “ciência histórica”, a “filosofia da história” e a voga das idéias de “progresso” e “evolução”, nesse mesmo instante a moldura eterna desaparece e a dimensão temporal passa a ocupar todo o campo de visão socialmente dominante.
Uma das primeiras conseqüências dessa restrição do horizonte é que as idéias de “origem” e “fim”, já não remetendo a uma dimensão supratemporal, passam a ser concebidas como meros capítulos “dentro” do tempo – uma incongruência quase cômica que infectará com o germe da irracionalidade muitas conquistas de uma ciência que se anunciava promissora. Entre as inúmeras manifestações da teratologia intelectual que desde então sugam as atenções de pessoas bem intencionadas destacam-se, por exemplo, as tentativas de datar o começo dos tempos a partir de uma suposta origem da matéria, como se as leis que determinam a formação da matéria não tivessem de preexistir-lhe eternamente; ou os esforços patéticos para abranger o conjunto do transcurso histórico num sistema de “leis” que presumidamente o levam a um determinado estágio final, como se o estágio final não fosse apenas mais um acontecimento de uma seqüência destinada a prosseguir sem término previsível.
Se nas esferas superiores do pensamento florescem então por toda parte concepções pueris que empolgam as atenções por umas décadas para depois ser atiradas à lata de lixo do esquecimento, o distúrbio geral da percepção do tempo não poderia deixar de se manifestar também, até com nitidez aumentada, em domínios mais grosseiros da atividade mental humana, como a política. E é aí que as balizas eternas do tempo, reduzidas a capítulos especiais da seqüência temporal, passam a ser vivenciadas como dois símbolos legitimadores da autoridade política.
De um lado, a mera antigüidade temporal do poder existente (que na realidade podia nem ser tão antigo assim, apenas mais velho que seus inimigos) parecia investi-lo de uma aura celeste. O famoso “direito divino dos reis”, que de fato não era uma instituição muito antiga, mas o resultado mais ou menos recente do corte do cordão umbilical que atava o poder real à autoridade da Igreja, não é senão a tradução em linguagem jurídico-teológica de uma vivência de tempo que identificava a antigüidade relativa com a origem absoluta.
De outro lado, a perspectiva do Juízo Final, com o prêmio dos justos e o castigo dos maus quando da reabsorção do tempo na eternidade, era espremida para dentro da imagem futura de um reino terrestre de justiça e paz, de um regime político perfeito, que, paradoxalmente, seria ao mesmo tempo o fim da história e a continuação da história.
Tal é a origem respectiva dos “reacionários” ou “conservadores” e dos “revolucionários” ou “progressistas”. A direita e a esquerda modernas surgem de adaptações degradantes de símbolos mitológicos, roubados à eternidade, comprimidos na dimensão temporal e transfigurados em deuses de ocasião.
É evidente que, na estrutura do tempo real, não existe nem antigüidade sacra nem apocalipse terrestre – nem direito divino dos reis nem carisma do profeta revolucionário. São, um e outro, menos que mitos (pois uso o termo “mito” no sentido nobre de narrativa arquetípica, e não como oposto de “verdade”). O rei não é o poder de Deus e o revolucionário não é um profeta. São apenas dois sujeitos que se imaginam importantes, o primeiro porque toma a antiguidade da sua família como se fosse a origem dos tempos, o segundo porque atribui a seus projetos de governo a grandeza mítica do Juízo Final.
Direita e esquerda passaram por inúmeras variações e combinações ao longo dos últimos séculos. Mas, onde quer que se perfilem com força suficiente para hostilizar-se mutuamente no palco da política, essa distinção permanece no fundo dos seus discursos: direita é o que se legitima em nome da antigüidade, da experiência consolidada, do conhecimento adquirido, da segurança e da prudência, ainda quando, na prática, esqueça a experiência, despreze o conhecimento e, cometendo toda sorte de imprudências, ponha em risco a segurança geral; esquerda é o que se arroga no presente a autoridade e o prestígio de um belo mundo futuro de justiça, paz e liberdade, mesmo quando, na prática, espalhe a maldade e a injustiça em doses maiores do que tudo o que se acumulou no passado.
O fato de que tantas vezes os conteúdos dos discursos de direita e esquerda se mesclem e se confundam explica-se facilmente pela precariedade mesma de seus símbolos iniciais de referência – a antigüidade e o futuro --, os quais, não podendo dar conta da realidade concreta, exigem dialeticamente ser complementados pelos seus respectivos contrários, fazendo brotar, dentro de cada uma das duas regiões mentais em luta para distinguir-se e sobrepujar-se mutuamente, uma área que já não é antagônica à sua adversária, mas é a sua imitação. É assim que, por exemplo, a permanência conservadora pode ser projetada no futuro, numa espécie de utopia do existente, como as aventuras coloniais com que os reis prometiam a expansão da fé. E é assim que o hipotético mundo futuro do revolucionário busca revestir-se do prestígio das origens, apresentando-se como restauração de uma perdida idade de ouro, como na doutrina do “bom selvagem” de Rousseau ou no “comunismo primitivo” de Karl Marx. É inevitável, pois, que os conteúdos dos discursos respectivos por vezes se confundam, mas só retoricamente, pois, na esfera da ação prática, tanto o reacionário quanto o revolucionário se apegam firmemente às suas respectivas orientações no tempo.
Por meio dessa distinção é possível captar a unidade entre diferentes tipos históricos de direitismo e esquerdismo cuja variedade, de outra maneira, nos desorientaria. Um adepto do capitalismo liberal clássico, portanto, podia ser um esquerdista no século XVIII, porque apostava numa utopia de liberdade econômica da qual não tinha experiência concreta num universo de mercantilismo e estatismo monárquico. Mas é um conservador no século XXI porque fala em nome da experiência adquirida de dois séculos de capitalismo moderno e já não pretende chegar a um paraíso libertário e sim apenas conservar, prudentemente intactos, os meios de ação comprovadamente capazes de fomentar a prosperidade geral. Pode, no entanto, tornar-se um revolucionário no instante seguinte, quando aposta que a expansão geral da economia de mercado produzirá a utopia global de um mundo sem violência. Em cada etapa dessas transformações, o coeficiente de esquerdismo e direitismo de sua posição pode ser medido com precisão razoável.
É inevitável, também, que, pelo menos em certos momentos do processo, esquerdistas e direitistas se equivoquem profundamente no julgamento de si próprios ou de seus adversários. Da parte dos direitistas, tanto hoje como ao longo de todo o século XX, a grande ilusão é a da equivalência. Como estão acostumados à idéia de que direita e esquerda existem como dados mais ou menos estáveis da ordem democrática, acreditam que essa ordem pode ser preservada intacta e que para isso é possível “educar” os esquerdistas para que se afeiçoem às regras do jogo e não tentem mais destruir a ordem vigente. Pelo lado esquerdista, porém, essa acomodação é impossível. No mundo dos direitistas pode haver direitistas e esquerdistas, mas, no mundo dos esquerdistas, só esquerdistas têm o direito de existir: o advento do reino esquerdista consiste, essencialmente, na eliminação de todos os direitistas, na erradicação completa da autoridade do antigo. Foi por essas razões que os EUA retiraram pacificamente suas tropas dos países europeus ocupados depois da II Guerra Mundial, acreditando que os russos iam fazer o mesmo, quando os russos, ao contrário, tinham de ficar lá de qualquer modo, porque, na perspectiva da revolução, o fim de uma guerra era apenas o começo de outra e de outra e de outra, até à extinção final do capitalismo. A sucessão quase inacreditável de fracassos estratégicos da direita no mundo deve-se, no fundo, a uma limitação estrutural do direitismo: eliminar a esquerda completamente seria uma utopia, mas a direita não pode tornar-se utópica sem deixar de ser o que é e transformar-se ela própria em revolucionária, absorvendo valores e símbolos da esquerda ao ponto de destruir a própria ordem estabelecida que desejava preservar. O fascismo, como demonstrou Erik von Kuenhelt-Leddin no clássico “Leftism: From De Sade and Marx to Hitler and Marcuse” (1974), nasce da esquerda e arrebata a direita na ilusão suicida da revolução contra-revolucionária. Ser direitista é oscilar perpetuamente entre uma tolerância debilitante e acessos periódicos de ódio vingativo descontrolado e quase sempre vão. Mas a direita no Brasil está em decomposição há décadas e não tem graça nenhuma falar dela.
A esquerda, por sua vez, como se apóia integralmente na imagem móvel de um futuro hipotético, não pode julgar-se a si própria pelos padrões atualmente existentes, condenados “a priori” como resíduos de um passado abominável. Seu único compromisso é com o futuro, mas quem inventa esse futuro e o modifica conforme as necessidades estratégicas e táticas do presente é ela própria. Por fatalidade constitutiva do seu símbolo fundador, ela é sempre o legislador que, não tendo autoridade acima de si, legisla em causa própria, faz o que bem entende e, a seus olhos, tem razão em todas as circunstâncias, embriagando-se na contemplação vaidosa de uma imagem de pureza e santidade infinitas, mesmo quando chafurda num lamaçal de crimes e iniqüidades incomparavelmente superiores a todos os males passados que prometia eliminar. Ser esquerdista é viver num estado de desorientação moral profunda, estrutural e incurável. É mergulhar as mãos em sangue e fezes jurando que as banha nas águas lustrais de uma redenção divina.
Por isso não se deve estranhar que o partido mais ladrão, mais criminoso, mais perverso de toda a nossa História, o partido amigo de narcoguerrilheiros e ditadores genocidas, o partido que aplaudia a liquidação de dezenas de milhares de cubanos desarmados enquanto condenava com paroxismos de indignação a de trezentos terroristas brasileiros, o partido que condena os atentados a bomba quando acontecem na Espanha e aplaude os realizados no Brasil, o partido que instituiu o suborno e a propina como sistema de governo, seja também o partido que mais bate no peito alegando méritos e glórias excelsos.
Ser esquerdista é ser precisamente isso.
Direita e esquerda são politizações de símbolos mitológicos cujo conteúdo originário se tornou inalcançável na experiência comum. Elas existirão enquanto permanecermos no ciclo moderno, cujo destino essencial, como bem viu Napoleão Bonaparte, é politizar tudo e ignorar o que esteja acima da política. Não existirão para sempre. Mas, quando cessarem de existir, a política terá perdido pelo menos boa parte do espaço que usurpou de outras dimensões da existência.

sábado, 31 de maio de 2008

O que diz Prof. Plínio Corrêa de Oliveira

A título de análise posto no blog um texto do Prof. Plínio Corrêa de Oliveira. (São Paulo, 13 de dezembro de 19083 de outubro de 1995)

Em 1937 assumiu a Cátedra de História da Civilização no Colégio Universitário da Faculdade de Direito de de São Paulo e, mais tarde, tornou-se professor catedrático de História Moderna e Contemporânea nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, São Bento, Sedes Sapientia e da PUC - SP.



Direita e Esquerda

por Plínio Corrêa de Oliveira

É corrente o uso dos vocábulos "direita" e "esquerda" para qualificar posições tomadas nos mais variados temas: basicamente em questões políticas, sociais ou econômicas, mas também em modos de sentir ou de ser, como ainda em literatura, em artes, etc. Um exame dos diversos significados desses termos faz ver, logo ao primeiro olhar, um tal caos, que, segundo muitos observadores, aqueles vocábulos perderam qualquer valor como rótulos qualificativos de atitudes ideológicas, culturais ou morais.

Sem embargo do talento, da cultura e da projeção publicitária de muitos dos que já há tempo assim pensam, "direita" e "esquerda" continuam entretanto palavras de uso corrente e, dir-se-ia, indispensáveis para quem proceda habitualmente a análises ideológicas.

Este fato parece demonstrar que, no âmago delas, há algo de substancioso e de autenticamente expressivo. Como até de insubstituível ao menos enquanto o uso comum não consagrar outros vocábulos que os substituam.

Tenho o propósito de analisar aqui esse "algo de substancioso", para conferir com os leitores se meu modo de o sentir corresponde ao deles, ao do grande público enfim. Fá-lo-ei muito resumidamente, dadas as naturais limitações deste trabalho jornalístico.
* * *

Começo fazendo notar que no significado dessas duas palavras correlatas nem tudo é imprecisão. Nele há uma zona clara. Definida esta, será possível detectar, "de proche en proche", o fio da meada que conduz, através dos significados menos claros, até uma elucidação final do que "direita" e "esquerda" querem dizer.

A zona clara está na palavra "esquerda". Em face da trilogia da Revolução Francesa, ainda em nossos dias o consenso geral não hesita em qualificar de esquerdista perfeito e acabado quem se afirme a favor, não de uma liberdade, de uma igualdade e de uma fraternidade qualquer, mas da liberdade total, da igualdade total, e da fraternidade também total. De alguém que seja, em suma, um anarquista no sentido etimológico e radical da palavra (do grego "an", privativo, e "arche", governo), com ou sem conotação de violência ou terrorismo.

Os esquerdistas moderados qualificam de utópico ("infelizmente utópico", costumam dizer) o sonho de seu correligionário integral. Nenhum deles negará, entretanto, a plena autenticidade esquerdista dessa utopia.

Em função desse marco de esquerdismo absoluto, é fácil discernir como dentro da escala esquerdista um programa, ou um método, pode ser qualificado de mais esquerdista, ou menos. Isto é, será tanto mais esquerdista, ou menos, quanto mais se aproxime ou se distancie do "an-arquismo" total.

Assim, por exemplo, o socialista é tanto mais esquerdista quanto mais efetiva e geral for a igualdade que reivindica. E será integralmente esquerdista o que reivindicar a igualdade total.
Análoga afirmação deve fazer-se em relação a outro "valor" da trilogia de 1789. Refiro-me em especial ao liberalismo político. Ele será tanto mais esquerdista quanto mais reclame a liberdade total.

Bem entendido, há certas contradições entre socialismo e liberalismo. E isto conduz a fáceis objeções contra o que acabo de afirmar. Assim, o totalitarismo econômico facilmente destrói a liberdade política. E reciprocamente. Mas esta contradição existe apenas nas etapas intermediárias que ainda não são o anarquismo total, se bem que predisponham para ele. Pois tanto se pode chegar a este último por uma liberdade absoluta, quanto e principalmente por uma igualdade absoluta. A liberdade absoluta propicia a ofensiva geral dos que são ou que têm menos, contra os que são ou têm mais. E, por sua vez, a igualdade completa importa na negação de toda autoridade e portanto de toda lei. Essas duas vias tão diferentes não são paralelas que [não] se encontram no infinito. Por mais contraditórias que sejam na prática do moderado quotidiano de hoje, convergem para o ponto final "an-árquico", no qual uma e outra se encontram e se completam.

Assim, é certo que, segundo o consenso geral, o esquerdismo tem seu ponto ômega e sua escala de "valores" bem definida.

* * *

A questão consiste agora em saber se o tem, de modo correlato, a "direita".

Aqui, a confusão é inegável. Sem que ela chegue, contudo, a cortar o fio condutor, o qual, analogamente ao que ocorre com a esquerda, conduz "de proche en proche" a uma classificação dos subtis matizes do direitismo.

As palavras "direita" e "esquerda" surgiram no vocabulário político, social e econômico da Europa do século XIX. O esquerdismo era uma participação ideológica no pensamento e na obra de algo ainda recente e bastante definido em suas linhas gerais, isto é, a Revolução Francesa. A esquerda não era só uma negação vulcânica de uma tradição que parecia morta, mas também e cada vez mais a afirmação de um futuro que se diria fatal. Em face da Revolução avassaladora, a direita só se definiu aos poucos, de modo tateante e contraditório (cfr. Michel Denis, "Les Royalistes de la Mayenne et le Monde Moderne", Publications de l'Université de Haute-Bretagne, 1977).

A definir-se como um anti-esquerdismo, e "a fortiori" como um anti-anarquismo, o que teria de ser, em inteiro rigor de lógica, a direita?

Como já disse, está na essência do anarquismo total a afirmação de que toda e qualquer desigualdade é injusta. Assim, quanto menor a desigualdade, menor a injustiça. A liberdade é cara ao anarquismo, precisamente porque a autoridade é em si mesma uma negação da igualdade.

O direitismo afirma, pois, que, em si mesma, a desigualdade não é injusta. Que, em um universo no qual Deus criou desiguais todos os seres, inclusive e principalmente os homens, a injustiça é a imposição de uma ordem de coisas contrária a que Deus, por altíssimas razões, fez desigual (cfr. Mt. 25, 14-30; 1 Cor. 12, 28 a 31; S. Tomás, "Summa contra gentiles", Livro III, Cap. LXXVII).
Assim, a justiça está na desigualdade.

Dessa verdade básica – convém lembrar de passagem – não se deduz que quanto maior for a desigualdade, mais perfeita é a justiça. Em matéria de esquerdismo, é lógica a afirmação antitética (quanto menor a desigualdade, menor a injustiça). É flagrante a assimetria entre a perspectiva esquerdista e a direitista.

Com efeito, Deus criou as desigualdades, não aterradoras e monstruosas, mas proporcionadas à natureza, ao bem-estar e ao progresso de cada ser, e adequadas à ordenação geral do universo. E tal é a desigualdade cristã.

Análogas considerações se poderiam fazer acerca da liberdade no universo e na sociedade.
Mas esse padrão de direitismo não é a desigualdade absoluta, simétrica e oposta à igualdade absoluta. É a desigualdade harmônica, convém insistir. Quanto mais uma doutrina for contrária à trilogia de 1789 e se aproximar desse padrão de desigualdades harmônicas e proporcionadas, tanto mais será direitista.

Nem sempre o entenderam assim os pensadores ou homens de ação que, erguendo-se no século XIX como no século XX, contra a Revolução, foram qualificados só por isto de direita.

Eles, ou os que os estudaram, imaginaram por vezes que o rótulo de direitismo podia justificar desigualdades abismáticas (políticas e sociais, porém, o mais das vezes econômicas). Como se nisto consistisse a ponta extrema da coerência direitista.

Outros "direitistas" fizeram por sua vez concessões ao espírito igualitário, porque estavam eles próprios infiltrados dos princípios revolucionários que combatiam. Ou ainda por tática política, isto é, para a conquista e conservação do poder. Haja vista o cunho socialista oficial do fascismo, e não só oficial, mas até marcantissimo, do nazismo.

Por tudo isto, o vocábulo "direita" não alcançou na linguagem corrente um sentido tão claro quanto "esquerda", e tem servido para designar não só o verdadeiro direitismo de inspiração cristã, sacral, hierárquico e harmônico (cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, "Revolução e Contra-Revolução", Boa Imprensa, Campos, 1959, p. 42), mas também "direitismos" modelados em parte por tradições cristãs, e em parte por princípios ideológicos (como também por experiências) peculiares.

Contudo, parece-me certo que, por mais importantes que tenham sido as notas socialistas de certas correntes ditas de direita, a linguagem corrente só as qualifica como direitas, imaginando ver nelas uma afinidade (maior ou menor) com o direitismo cristão ideal que acima descrevi. O qual, por uma tradição multissecular, está no conhecimento consciente ou subconsciente de todos.

Em síntese, à direita como à esquerda, no fim do horizonte há um marco definido, a partir do qual segue, "en degradé", a gama dos matizes intermediários.

* * *

Falei em "sacral". Sei que o termo entrou inopinadamente no artigo. É que o limite deste não me permite mostrar qual é, a meu ver, o papel central da Religião, na concepção direitista autêntica, que acabo de anunciar.

Digo apenas, quase a título de "post-scriptum", que direitismo laico ou ateu é absurdo, porque o universo e o homem são impensáveis sem Deus.
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* Publica em "Jornal da Tarde", 9 de junho de 1979 - Título original: "A justiça está na desigualdade cristã"